segunda-feira, 19 de março de 2012

Improdutividade

    Alguns dias são feitos de cinzas. Passarelas estreitas e aviões que a gente não conta como se fossem estrelas. Roubando o lugar do nosso salto, o nosso cansaço. Alguns dias passam sem que a gente tenha uma máquina fotográfica em mãos, sem que a gente saiba usar uma caneta, sem que a gente feche os olhos e aceite se perder. Alguns dias são feitos simplesmente de impossibilidades.

     E anda sendo difícil o silêncio pra mim. Porque de todos os lugares se ouve o barulho dos pés arrastados, das bocas rindo e rindo sem se entenderem, das conversas fiadas que ocupam o dia como forma de mascarar nossos medos. Há sempre alguém disposto a adiantar seu relógio, fazer a hora passar sem marcação, fazer os olhos passarem sem sonhar. Ficar sozinho é um tipo de arte deserta e perigosa. Como as praias inexploradas ou as matas virgens. Pouca gente entende o bem ou o mal necessários de quando se fica em solidão. E pouca gente pisa fundo em um chão que exige cautela, pois todos desaprenderam a andar macio. A maioria simplesmente desaprendeu a andar.

     As minhas portas foram tombadas a pontapés. Meu rádio eternamente ligado na estação do chiado. É difícil estar puramente desconectado de todos. E de todas as cobranças, expectativas, esperanças. Das pessoas invasivas e que nunca detestaram tanto as nossas chaves quanto agora. São os gritos que a humanidade nos obrigou a escutar. O pior castigo, repetido dia-a-dia na nossa escala de cinza. Pois a nossa calma as assusta. E elas nos assustam por nunca sentirem o momento de nos deixar ir embora, de nos deixar ser o quanto antes únicos. O quanto antes sós. E ainda tem gente que diz que a solidão é o seu maior medo.

     Mas somos completamente produtivos enquanto as portas estão fechadas. Aquela falta de fios cortados é o que nos apaga. Aquele medo de desligar a luz, de passar o fim da tarde quieto, de dormir sem ter um  encontro que salve o dia. Aquela espera do telefonema, da vontade de aprender, do despertador tocar. É o que nos desbota. Tudo o que nos acorrenta em casos e coisas. Tudo por medo de uma solidão que resolveria os nossos problemas, que seria o portal para matar a angústia.

     E continuamos inúteis enquanto as pessoas entram nas nossas casas, trocam as pilhas dos rádios, rodopiam e atiram nas paredes suas verdades impenetráveis. E todas elas, as pessoas, não conseguem ser sozinhas e em paz. Continuam presas no tempo dos relógios adiantados. Por isso, eu tenho medo de ser sociável a semana inteira. Porque o castigo nos obriga a absorver seus gritos sem descanso. E eu escolho a solidão. O meu protesto é o silêncio.


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